terça-feira, 30 de outubro de 2012

"Faça o que eu falo, mas não faça o que eu faço"


por David Vega

A camaradagem é algo que poucos irão entender, mas não importa, pois quem não compreende geralmente é carente desse significado presente em matilhas, nas plantas e até no movimento celular, a vida se agrupa e separa, e assim vai, porém são os mais resistentes que evitam se distanciar, alimentando a vida com detalhes que podem não ter a prepotência de mudar as bases e o pensamento de um mundo inteiro, ou limitar a nossa existência meramente ao conceito de classes, do trabalho material e a competição, mas que vão sendo na prática mais eficientes do que qualquer pessoa amarga, isolada, cheia de palavras na ponta da língua, militante de qualquer proposta... Enfim, as ideias de cooperação não podem ficar apenas no abstrato, de que adianta você ter um discurso libertário, igualitário etc, se na prática se omite, se esconde, é uma pessoa amarga, beirando a arrogância, onde a relação para você se dá com quem se encontra na sua linha de pensamento, e mesmo assim, não podendo haver discrepâncias entre ambos discursos... Existem anarquistas, comunistas, socialistas e demais “ismos” por aí, que talvez nunca leram um texto, nem o Marx conhecem, muito menos se autointitulam com esses rótulos, mas na prática e na essência são mil vezes mais verdadeiros do que um esnobe que tem na ponta da língua o conceito e levanta bandeiras, mas não move uma palha para viver no dia-a-dia, nas coisas mais simples, tornando-se mais elitista e mais um “burguês individualista” que tanto eles próprios condenam.

“Faça o que eu falo, mas não faça o que eu faço”. Isso existe em TODAS áreas, ideologias e segmentos. Portanto, vocês que procuram atacar e identificar no outro falhas e incoerências, procurem olhar para as suas, as demais pessoas que não te prejudicaram diretamente não tem culpa da sua desgraça, foram tão vítimas quanto você, não é porque o fulano é de tal etnia, religião, pensamento político, classe social ou sei lá mais o que, que apenas esses fatores farão dele seu inimigo, alguém que deve ser afastado ou eliminado, a não ser que “mude”, por não se enquadrar de acordo com seu julgamento, no comportamento considerado “ideal” que as pessoas deveriam ter, em um mundo considerado “ideal”. Seja de qualquer barricada, vai pro ralo o discurso de igualdade quando nas coisas mais simples os sujeitos são assim. Imagina com esses cegos à frente, o mundo se resumiria a estruturas e verdades absolutas. Uma imensa massa de pessoas materialmente iguais e alimentadas, porém infelizes, proibidas de criar e sonhar, porque não é só a fome o problema do Mundo, e não é só de alimentos que uma pessoa tem fome! Quando suas aspirações fossem “de contra” as estruturas, o convencional atual de certa forma faz isso e quem se mantém contrário a ele se sente molestado, seria muito hipócrita algum “revolucionário” querer apenas trocar os elementos, mas agir exatamente da mesma forma, recriando a estrutura com significantes e significados diferentes visualmente, mas com o mesmo princípio na essência.
Exemplos históricos:

Rev. Francesa: Apenas trocou o poder das mãos da aristocracia para a burguesia, ainda continuou a desigualdade, a opressão e a intolerância. Incluindo o expansionismo missionário do Napoleão e outros, em achar que o mundo inteiro deveria ser “republicano”.

U.R.S.S: Na revolução russa os lenistas não viam as coisas além da parte econômica apenas, todo o problema do mundo estaria na divisão de classes, e bastava ter uma igualdade de “salários”, moradias e oportunidade de locomoção que os problemas estariam resolvidos, quando é muito pobre as pessoas limitarem uma complexidade tremenda à uma meia dúzia de fatores. A URSS por conta disso, acabou tendo que produzir a MAIS VALIA para sobreviver, eles não conseguiram ver além do conceito de trabalho que lhes era opressor antes, e reinventaram um outro sistema, também opressor, com discurso de igualdade, que jamais existiu na prática, muito pelo contrário, tornando-se um Estado de ditadura, expansionista de características fascistas, principalmente na época do Stalin.

Libéria: O país fundado por escravos norte-americanos que foram mandados de volta para África após a abolição, reproduziu o mesmo sistema escravista, porém agora entre eles, negros escravizando negros, todos haviam sido escravos dos brancos antes, e possuíam um discurso de igualdade e liberdade quando eram, após a alforria, entre eles um grupo favorecido decidiu continuar com esse sistema, o discurso manteve-se igual, mas no campo da ação apenas trocou o “senhor” de cara pálida, pelo senhor de cara escura.

Brasil: A maneira com que assimilamos a Independência, nos fez ser o único país do mundo que após se libertar da metrópole, manteve um governo “imperial”. Uma independência que veio de cima para baixo, que manteve a escravidão, o favorecimento pelas classes altas de sangue nobre, depois, uma República que veio da elite também, que continuou com características do Império, por consequente, que tinha características do Brasil Colônia, e assim vai.

Em todas as sociedades (incluindo família, relacionamento, pois também são sociedades) sempre haverá uma recriação de certa forma. Por mais “revolucionário” e cheio de mudanças que um sistema possa vir, para substituir o outro, ele irá recriar ou manter pequenos detalhes de sistemas anteriores, que serão removidos com o tempo ou não. Isso irá depender do julgamento coletivo do povo que irá receber a mudança, se for algo enraizado culturalmente, levará mais tempo e mediante uma campanha forte, será mudado, porém uma campanha que estimule a mudança voluntária, do contrário, com obrigação se terá uma mudança superficial. EX: O sujeito quando o fiscal não está vendo continua jogando lixo da janela do carro, ele só não assim o faz, quando corre o risco de levar uma multa. Isso é uma mudança superficial, o ideal seria ele não jogar porque acha que não deve poluir. Etc.

Enfim, uma vez que podemos fazer essa leitura, cabe a nós atribuir pequenos significados e seguir em frente, com nossas diferenças, claro! Mas fazendo dessas diferenças um motivo de nos aproximarmos, para aprendermos uns com os outros, e não fazer disso um campo fértil para a identificação de incoerências, para apontar o dedo no outro, como se não houvesse discrepâncias do seu lado e só você fosse capaz de fazer um recorte da realidade mais preciso, por conta disso, teria a resolução dos problemas.

Pessoas acostumadas aos relacionamentos, à rede de interdependências que é a sociedade, que podem SENTIR a camaradagem e não apenas ler um amontoado de palavras imaginando o que seria, pois isso é uma realidade distante dessa pessoa, devido milhares de fatores, internos e externos, tendem à revolta e cobram isso das pessoas, quando ela está sendo a última a dar o exemplo.

Um comentário:

  1. É David,repetido e egoísta é o comportamento humano, desde sempre e para sempre!!! Arte difícil é essa, de vivermos sem os paradigmas pessoais, enfim, seguimos vivendo, e se bem pudermos nos policiar e corrigir, que bom será para o todo, antes mesmo de ser para nós mesmos!
    Abraço!

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