segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Manifesto sobre a Temporalidade - É preciso ver a História como linear?

Por: David Vega.

A República geralmente é vista como o futuro, com o progresso que se encontra na nossa bandeira positivista. Eu gosto da secularização, do Estado laico, que respeita todas as religiões em solo nacional, não elegendo uma oficial (o que hoje se encontra ameaçado). Fazia-se necessário construir nações pelo ordenamento legal das Constituições. A América central e do sul seria invertebrada, como a noção de uma Espanha em decadência, segundo Ortega y Gasset. A questão não seria a interpretação do “modernizar-conservando” como algo ruim, porém também não podemos erradicar aquilo que faz parte de nós. Não há de se ter a histórica oposição entre Júlio de Castilhos e Silveira Martins, ambos grandes patriotas, embora um fosse positivista e outro monarquista.

O tempo aristocrático contra a ideia de linearidade ou aceleração temporal do capitalismo da fábrica ou da linha de produção. Mais que o socialismo da esquerda, o maior inimigo da tradição é o capitalismo, sendo para nós, o verdadeiro socialismo, não este aburguesado com pautas liberais importadas do ocidente atual, mas aquele que coexiste com uma outra noção de tempo e comunitarismo, seja pelos laços de sangue ou culturais, onde a “igualdade” não se mede apenas pela isonomia da lei, mas pela divisão rígida de papéis e funcionalidades, em um horizontalismo que reproduz a cúpula do verticalismo em seus particularismos, cujos valores aristocráticos não anulam ou são antagônicos à moral do servo.

É falsa a noção de liberdade tendo como base os indivíduos atomizados, defendemos o direito à propriedade, mas este não deve ser o único direito a ser assegurado pela Constituição, não podendo estar acima de qualquer outro, como se fosse mais importante do que os sociais. Portanto a ideia de “ser de esquerda” atual, medida apenas por supostos direitos de inclusão nas classes que podem consumir pela lógica do capital, que não dizem nada, não emancipam ou geram a consciência de classe que sempre foi a bandeira da esquerda, confundindo a noção de “cidadania” pela capacidade do poder de compra e do consumo da família ou indivíduo, que visam reforçar a manutenção da ordem burguesa, não será encarada como “socialismo” para nós, somos defensores dos valores da tradição ibérica, do qual “nação” não se mede por quesitos raciais, mas culturalistas.

O secularismo produziu o desencantamento do mundo, advindo do liberalismo ascético, os primórdios da ciência combatiam um mundo repleto de mitos e magia. De fato defendemos que o Direito seja fundamentado na averiguação científica, seria incabível uma justificação mítica ou religiosa para um crime por exemplo, a perícia científica deve ser a legítima no lugar de “curandeirismos” e “esoterismos”. Em compensação, a Ciência como valor exclusivo não deve ser o único campo a ser considerado, se este anular a Filosofia, o berço dela própria e tão necessária, como a tradição; a argamassa que fixa os blocos que edificam a construção da cultura a qual pertencemos. A tradição pode se reinventar e adaptar-se aos novos tempos, à tecnologia, mas existe uma célula máter (principalmente pela sua maior expressão, a família), uma centralidade da mesma que não pode ser erradicada, pois seu efeito seria igual ao matar uma abelha rainha, fazendo toda a colmeia se dissipar e perecer. Existe algo que nos compõe, mesmo sem teorizarmos sobre, inconscientemente que nos mantém coesos, igual aos feromônios de uma população de insetos, podemos até relativizar isso, sem jamais anularmos, pois comprometeria a nossa própria existência enquanto sociedade.

Erram os cientificistas em defenderem a negação da metafísica, interpretando a República como um estágio mais avançado do que a monarquia ou qualquer outro predecessor como se fosse mais “evoluído” em uma linha progressiva, pelo fato desta ser científica frente às demais formas de governo precursoras, da mesma forma que erram os monarquistas reacionários em rejeitarem qualquer tipo de modernização, é justamente o progresso por vias conservadoras que consideramos um ponto de equilíbrio.

Encarar a História como uma linha que avança feito a tecnologia que acompanha a humanidade, como fazem os progressistas em relação aos valores e a moral, é a maior opressão que pode nos assolar. Hoje visa-se anular o passado e tudo o que vem dele na esperança de se construir o “novo homem”, indo contra a sua natureza, tomando como “ciência” ideologias que não representam o real ou o biológico determinista (sim, a natureza é determinista, e para muitas coisas não é possível tentar anulá-la pela engenharia social ou cultural) promovendo um processo de desumanização, todas as vezes que na História se tentou criar um homem novo dissociado de sua condição e imperfeição, as maiores catástrofes e totalitarismos ocorreram; vide o nazismo e o comunismo da URSS, dois regimes que representam a expressão maior da “modernidade” futurista. A questão não é ser avesso às mudanças naturais de geração para geração, mas entender que o processo deve ser natural, e não arquitetado, induzido, imposto, visando conseguir resultados pré-estabelecidos como se faz hoje. Lembremos do Dharma, da Filosofia oriental, a sociedade é como um círculo, que gira alterando tudo, porém há uma centralidade imutável, que se permanece intacta, dando sustentação inclusive a todas as mudanças que giram entorno da centralidade. O eterno retorno, cuja representação mais ideal seria a imagem do Ouroboros. Aliás, é justamente sobre a noção temporal que gostaria de trazer a discussão brevemente.

Para os ocidentais modernos, o tempo é linear, progressivo. Se diferencia da noção cíclica presente nos orientais antigos ou até de sociedades pré-civilizacionais. Nessa “periodização”, há a ideia do retorno ao Paraíso, inclusive na noção bíblica, de que no passado fomos expulsos do Paraíso. Para os conservadores mais reacionários e românticos, a volta ao passado é tentar voltar a um Éden inexistente, uma Era Dourada idealizada, visando sempre o “anterior”, mas tal processo é semelhante aos dos progressistas radicais, mas ao revés, que veem na modernização e progresso esta suposta “situação melhor”, se para o primeiro o paraíso está no ontem, para este último, ele está sempre no porvir do amanhã. A globalização universaliza, é um processo de ocidentalização, impondo uma noção temporal padronizada que sobrepuja as demais locais e não lineares. O nosso calendário pode ser o solar, o que leva em consideração as estações do ano, os movimentos de rotação e translação, mas existiram outros, como os lunares, à medida que a lua mudava, ou a colheita, ou o crescimento de uma planta, o tempo era mensurado. Em outras palavras, é aqui o embate entre o tempo linear e o cíclico. Os eventos históricos são cíclicos de certa forma, e é isso que os progressistas jamais podem compreender, quando resquícios da velha ordem se manifestam ou o movimento contrário, de regressão ocorre, ficam perdidos, pois encaram o tempo como uma sucessão de eventos, sempre com um acontecimento superando o anterior (valendo não só para a tecnologia, como para a moral também). Passado e futuro não são duas coisas que devem ser antagônicas como em uma dialética, mas elas coexistem, e assim devem continuar coexistindo. Se a gente se portar como vendo “avanços” na História, encarar não a evolução biológica, que de fato é como uma flecha atirada para frente, mas uma espécie de consciência que “evolui melhorando sempre”, a realidade vai ser um entrechoque quando o movimento “para trás”, regresso, naturalmente ocorrer na roda cíclica da humanidade.

Lembro da cena final do filme “O Último Samurai”, em que o capitão Algren, interpretado pelo Tom Cruise, vai entregar a espada do samurai Katsumoto ao imperador japonês, que empreendia uma campanha financiado pelas potências ocidentais contra os guerreiros. Comovido, ele olha ao redor e vê todos aqueles japoneses usando cartola e fraque, monóculos, fumando charutos. Então diz:

“Eu sonhei com um Japão moderno, com linhas férreas e canhões, mas nós jamais poderemos esquecer quem somos!”. 

  Da mesma forma que o artista tem muito do guerreiro e vice-versa, o político deve ser filósofo também, não ser um burocrata de gabinete acomodado. Faremos uma corrente de cooperação, feito o comportamento “festooning” das abelhas trabalhando juntas para criar a colmeia ou repará-la – elas unem as suas pernas em forma de corrente, igual nossos braços, na lavoura ou na indústria!

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