Por: David Vega.
A
República geralmente é vista como o futuro, com o progresso que se encontra na
nossa bandeira positivista. Eu gosto da secularização, do Estado laico, que
respeita todas as religiões em solo nacional, não elegendo uma oficial (o que
hoje se encontra ameaçado). Fazia-se necessário construir nações pelo
ordenamento legal das Constituições. A América central e do sul seria
invertebrada, como a noção de uma Espanha em decadência, segundo Ortega y
Gasset. A questão não seria a interpretação do “modernizar-conservando” como
algo ruim, porém também não podemos erradicar aquilo que faz parte de nós. Não há
de se ter a histórica oposição entre Júlio de Castilhos e Silveira Martins,
ambos grandes patriotas, embora um fosse positivista e outro monarquista.
O
tempo aristocrático contra a ideia de linearidade ou aceleração temporal do
capitalismo da fábrica ou da linha de produção. Mais que o socialismo da
esquerda, o maior inimigo da tradição é o capitalismo, sendo para nós, o
verdadeiro socialismo, não este aburguesado com pautas liberais importadas do
ocidente atual, mas aquele que coexiste com uma outra noção de tempo e
comunitarismo, seja pelos laços de sangue ou culturais, onde a “igualdade” não
se mede apenas pela isonomia da lei, mas pela divisão rígida de papéis e
funcionalidades, em um horizontalismo que reproduz a cúpula do verticalismo em
seus particularismos, cujos valores aristocráticos não anulam ou são
antagônicos à moral do servo.
É
falsa a noção de liberdade tendo como base os indivíduos atomizados, defendemos
o direito à propriedade, mas este não deve ser o único direito a ser assegurado
pela Constituição, não podendo estar acima de qualquer outro, como se fosse
mais importante do que os sociais. Portanto a ideia de “ser de esquerda” atual,
medida apenas por supostos direitos de inclusão nas classes que podem consumir
pela lógica do capital, que não dizem nada, não emancipam ou geram a
consciência de classe que sempre foi a bandeira da esquerda, confundindo a
noção de “cidadania” pela capacidade do poder de compra e do consumo da família
ou indivíduo, que visam reforçar a manutenção da ordem burguesa, não será
encarada como “socialismo” para nós, somos defensores dos valores da tradição
ibérica, do qual “nação” não se mede por quesitos raciais, mas culturalistas.
O
secularismo produziu o desencantamento do mundo, advindo do liberalismo
ascético, os primórdios da ciência combatiam um mundo repleto de mitos e magia. De
fato defendemos que o Direito seja fundamentado na averiguação científica,
seria incabível uma justificação mítica ou religiosa para um crime por exemplo,
a perícia científica deve ser a legítima no lugar de “curandeirismos” e “esoterismos”.
Em compensação, a Ciência como valor exclusivo não deve ser o único campo a ser
considerado, se este anular a Filosofia, o berço dela própria e tão necessária,
como a tradição; a argamassa que fixa os blocos que edificam a construção da cultura
a qual pertencemos. A tradição pode se reinventar e adaptar-se aos novos
tempos, à tecnologia, mas existe uma célula máter (principalmente pela sua
maior expressão, a família), uma centralidade da mesma que não pode ser
erradicada, pois seu efeito seria igual ao matar uma abelha rainha, fazendo
toda a colmeia se dissipar e perecer. Existe algo que nos compõe, mesmo sem
teorizarmos sobre, inconscientemente que nos mantém coesos, igual aos feromônios
de uma população de insetos, podemos até relativizar isso, sem jamais anularmos,
pois comprometeria a nossa própria existência enquanto sociedade.
Erram
os cientificistas em defenderem a negação da metafísica, interpretando a
República como um estágio mais avançado do que a monarquia ou qualquer outro predecessor
como se fosse mais “evoluído” em uma linha progressiva, pelo fato desta ser
científica frente às demais formas de governo precursoras, da mesma forma que
erram os monarquistas reacionários em rejeitarem qualquer tipo de modernização,
é justamente o progresso por vias conservadoras que consideramos um ponto de
equilíbrio.
Encarar
a História como uma linha que avança feito a tecnologia que acompanha a
humanidade, como fazem os progressistas em relação aos valores e a moral, é a
maior opressão que pode nos assolar. Hoje visa-se anular o passado e tudo o que
vem dele na esperança de se construir o “novo homem”, indo contra a sua
natureza, tomando como “ciência” ideologias que não representam o real ou o
biológico determinista (sim, a natureza é determinista, e para muitas coisas
não é possível tentar anulá-la pela engenharia social ou cultural) promovendo um processo de desumanização, todas as
vezes que na História se tentou criar um homem novo dissociado de sua condição
e imperfeição, as maiores catástrofes e totalitarismos ocorreram; vide o
nazismo e o comunismo da URSS, dois regimes que representam a expressão maior
da “modernidade” futurista. A questão não é ser avesso às mudanças naturais de
geração para geração, mas entender que o processo deve ser natural, e não
arquitetado, induzido, imposto, visando conseguir resultados pré-estabelecidos
como se faz hoje. Lembremos do Dharma, da Filosofia oriental, a sociedade é
como um círculo, que gira alterando tudo, porém há uma centralidade imutável,
que se permanece intacta, dando sustentação inclusive a todas as mudanças que
giram entorno da centralidade. O eterno retorno, cuja representação mais ideal seria a imagem do Ouroboros. Aliás, é justamente sobre a noção temporal que
gostaria de trazer a discussão brevemente.
Para
os ocidentais modernos, o tempo é linear, progressivo. Se diferencia da noção
cíclica presente nos orientais antigos ou até de sociedades pré-civilizacionais.
Nessa “periodização”, há a ideia do retorno ao Paraíso, inclusive na noção
bíblica, de que no passado fomos expulsos do Paraíso. Para os conservadores
mais reacionários e românticos, a volta ao passado é tentar voltar a um Éden
inexistente, uma Era Dourada idealizada, visando sempre o “anterior”, mas tal
processo é semelhante aos dos progressistas radicais, mas ao revés, que veem na
modernização e progresso esta suposta “situação melhor”, se para o primeiro o
paraíso está no ontem, para este último, ele está sempre no porvir do amanhã. A
globalização universaliza, é um processo de ocidentalização, impondo uma noção
temporal padronizada que sobrepuja as demais locais e não lineares. O nosso calendário
pode ser o solar, o que leva em consideração as estações do ano, os movimentos
de rotação e translação, mas existiram outros, como os lunares, à medida que a
lua mudava, ou a colheita, ou o crescimento de uma planta, o tempo era
mensurado. Em outras palavras, é aqui o embate entre o tempo linear e o
cíclico. Os eventos históricos são cíclicos de certa forma, e é isso que os
progressistas jamais podem compreender, quando resquícios da velha ordem se
manifestam ou o movimento contrário, de regressão ocorre, ficam perdidos, pois
encaram o tempo como uma sucessão de eventos, sempre com um acontecimento
superando o anterior (valendo não só para a tecnologia, como para a moral
também). Passado e futuro não são duas coisas que devem ser antagônicas como em
uma dialética, mas elas coexistem, e assim devem continuar coexistindo. Se a
gente se portar como vendo “avanços” na História, encarar não a evolução
biológica, que de fato é como uma flecha atirada para frente, mas uma espécie
de consciência que “evolui melhorando sempre”, a realidade vai ser um
entrechoque quando o movimento “para trás”, regresso, naturalmente ocorrer na
roda cíclica da humanidade.
Lembro
da cena final do filme “O Último Samurai”, em que o capitão Algren,
interpretado pelo Tom Cruise, vai entregar a espada do samurai Katsumoto ao
imperador japonês, que empreendia uma campanha financiado pelas potências
ocidentais contra os guerreiros. Comovido, ele olha ao redor e vê todos aqueles
japoneses usando cartola e fraque, monóculos, fumando charutos. Então diz:
“Eu sonhei com um Japão moderno, com
linhas férreas e canhões, mas nós jamais poderemos esquecer quem somos!”.
Da mesma forma que o artista tem muito do guerreiro e vice-versa, o político deve ser filósofo também, não ser um burocrata de gabinete acomodado. Faremos uma corrente de cooperação, feito o comportamento “festooning” das abelhas trabalhando juntas para criar a colmeia ou repará-la – elas unem as suas pernas em forma de corrente, igual nossos braços, na lavoura ou na indústria!
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