Uma vez
vi na National Geographic um documentário sobre uma população de chipanzés em
algum lugar da África equatorial. A voz do narrador descrevia uma situação de
migração entre um grupo pequeno de chimpanzés que havia emigrado para novas
terras, no caso, as extensões territoriais dessa população.
O que
mais me chocou foi o rito de passagem para serem aceitos nessa nova sociedade,
deveriam se submeter às ordens (vamos dizer assim) daqueles que ali estavam a
mais tempo, até mesmo serem agredidos sem poder revidar. Os machos guerreiros
que não se submetiam começavam a dar risada (atitude de guerra, enfrentamento e
rejeição à submissão), mas claro, como óbvio, estavam em menor número e foram
pisoteados, expulsos e alguns até padeceram em combate. Mas o pior, é que as
suas fêmeas e os filhotes (muitas companheiras de antes, que emigraram junto
com seus machos representantes) preferiram dar as costas aos antigos machos e
se anexarem ao novo grupo. Claro, a punição maior era com os machos antigos,
não havia problema a integração de fêmeas e filhotes, futuras reprodutoras e
“novos” integrantes baixo às novas regras de sociedade, pois seria mais fácil
moldá-los para a nova concepção dominante daquele grupo.
Bem,
esse documentário antigo nunca me saiu da cabeça, em parte, todos aqueles que
procuram questionar ou ir de contra o convencional vivem algo semelhante,
quando um jovem do campo se muda para a cidade, onde a razão é mais elevada do
que “nossa condição animal” (que no fim dá no mesmo, apenas são racionalizados
os instintos depois de vivenciados no caso do campo, no urbano, tinham o
conceito na ponta da língua, mas muitos não haviam visualizado na prática).
Esse choque cultural provoca em muitos dos casos a mesma expressão sombria nos
olhares que fitavam “o diferente”, daqueles erguidos à base de uma razão nos
moldes sofistas apenas, aquele ar frio, é como execrar um “inseto daninho”
(como eram chamados os “indesejáveis” durante a ditadura Stalinista), não muito
diferente da relação entre macacos estabelecidos e “outsiders” do documentário.
Tanto
macacos quanto homens, não suportam quando veem integrantes fugindo à norma.
Mesmo inconscientemente, se não cabemos naquela imagem cultuada cobrada ou
padrões de conduta, mas o pior, é ver integrantes que nitidamente também não se
adéquam, mas que através do discurso e posição social conseguem mascarar, daí
podemos traçar uma distinção entre o discurso e a essência. A sociedade cobra
uma coerência entre esses dois, mas conseguimos identificar facilmente quando
há essa discrepância. Por que então, aqueles que optam por realmente não ter
essa diferença, quando escolhem ser quem são, devem ser pisoteados? Não é
muito mais honesto se apresentarem tanto no discurso quanto na essência da
mesma forma? Ou terem múltiplos discursos? Não há como ser uma
coisa única sempre, temos múltiplos “eus” que compõem no conjunto nossa
essência.
Pode-se dizer que é uma falsa solidariedade,
nos moldes assistencialistas, as comunidades milenares que fogem às leis do
Estado, quando não são compostas de estruturas lineares baseadas no terror como
instrumento de controle, funcionam muito bem, não há essa moralidade em excesso
quanto às aparências, uma espécie de cooperativismo entre as famílias, que se
dá além das meras questões trabalhistas ou de classes.
“A
Ditadura da razão”, foi minha obsessão, e continua sendo, cada vez mais a
sociedade se radicaliza no iluminismo. Há aqueles muito imersos na razão,
dizendo com temor que quem “não racionaliza” é perigoso. Jamais deveríamos temer
outro homem, este se apresentando sob a máscara que for, ele é tão homem quanto
nós, tem suas fraquezas, seus surtos, medos e vontades, apenas se troca os
elementos, mas a essência é igual. Pois bem, não podemos desprezar o
conhecimento que sentimos, as ideias não necessariamente
são para serem reproduzidas em discursos carregados de termos e citações, sem
produzir nenhuma sensação interna. Se continuarmos assim, o mundo irá se tornar
aquele do 1984, do Orwell, onde era proibido ter sentimentos. Uma grande massa
de alienados que só executam sem pensar. Falar ou escrever em retórica, por
mais que muitos radicais digam “é a linguagem da burguesia, não é para a
compreensão geral”, considero que os papeis se inverteram, a linguagem eleita
de hoje é aquela que contrapõe a metáfora, tudo tem que ser minimamente descrito,
podando então qualquer liberdade de interpretação. Por que é considerado sábio
o acadêmico formado e o graduado na vivência não?
Não nos deparamos com sábios nos bancos da praça, no transporte púbico, muitos,
que repassam o conhecimento via oral, e nem saber escrever sabem. Essa
linguagem tem serventia sim, pois induz a pessoa a pensar, não entrega o peixe
de mãos dadas, já impondo “o que é aquilo”, as pessoas então pensam por elas
mesmas. Tem espertalhões que se utilizam dessa técnica na política, ou em
outros segmentos para benefícios exclusivamente individualistas, mas por isso
então vamos todos erradicar qualquer significado e viver feitos vegetais?
Enxergar
a cultura através da natureza é um dos exercícios mais prazerosos e obscuros
que um indivíduo pode ter, temos que unir sim com a razão e é através dela que surge
a virtude (e lembremos, ser virtuoso não é o mesmo que ser “honesto”, este
último está mais ligado ao cumprimento da moral, e o primeiro vai de contra a
ética se necessário, muitas vezes), mas jamais desprezar por completo nossa
outra condição, não somos seres artificiais. Podemos controlar os impulsos
corporais, não é interessante perder a todos, e particularmente, procuro evitar
sua total exclusão, mas a gente pode apertar e afrouxar o nó quanto a isso,
racionalizar a partir
das sensações, após vividas ou observadas no meio natural, ajuda muito no
desenvolvimento da arte, aliás, a arte é o que alimenta o pensar e a
criatividade para se construir um raciocínio acadêmico, a natureza é arte, o
Xamã produz ciência através de elementos artísticos, a religião, a institucionalização
da moral, a hierarquização da razão, apenas recriações.
A razão sempre esteve
por detrás dos impérios. As linhas sofistas do pensamento, de onde vem a
ideologia, fizeram emergir nações expansionistas, sejam os impérios da classe
dominante ou do proletariado.
O antropólogo Lewis
Morgan traçou uma progressão lógica evolutiva sobre os estágios do homem.
Quanta presunção! Categorizou e separou essa linha em selvageria, bárbarie e civilização. E
ainda fica no ar esse pensamento, nas entrelinhas, o homem da civis vê o homem
do campo ainda como mais atrasado.
Mas
aqui gostaria de fazer um elo entre estes dois, com base em exemplos
históricos: Os celtas, iberos, gauleses e etc, sempre foram povos místicos e
guerreiros ao mesmo tempo, não é a toa que os romanos (da civis) com todo
aquele pensamento fundamentado na razão civilizatória, pegavam tutores celtas,
druidas, para a educação de seus filhos. Pois tinham um conhecimento que ia
além dos fundamentalismos romanos. A combinação da civis com essas sociedades
agrárias, produziu indivíduos capazes de saltar entre as duas correntes de
pensamento. Bem como no nosso Brasil, a mesma relação, Civis e Campo (sobretudo
nas regiões de matas), onde o contato com a flora por parte dos “civilizados”
era mais intenso.
Os
bárbaros vieram depois, na decadência de Roma, deles vem as monarquias da Idade
Média. Os romanos tinham a visão da cosmópolis grega, eram aqueles espartanos e
gregos da Magna Grécia (Nápoles) mesclados com os sabinos, mas permaneceu o
pensamento civilizatório grego, o mesmo fundamentalismo que os EUA edificaram
sua nação, com base na expansão e um tom prepotente de serem
"superiores" pois estariam do lado da "razão
civilizatória". O mesmo fundamentalismo da Igreja Cristã, da própria URSS,
Alemanha Nazista, o getulismo centralizando todo o poder dando origem ao nosso
"federalismo" e tantas outras quando passam a anexar terras com essa
justificativa. É importante essa linha ocidental, mas não podemos desprezar por
completo as correntes de pensamento orientais. A civis já impõe "verdades",
o xamanismo não. O mais legal é confundir, e não esclarecer. A linha
naturalista mesclada com conceitos libertários, o dadaísmo, o niilismo (não
individualista) e a cosmovisão talvez seja aquela mais ampla para se fazer um
estudo qualquer, sobre qual tema for, procurar analisar desprezando seus
conceitos pré determinados.
Creio que
deveríamos tentar unir essas duas grandes correntes. Quando uma criança começa
a perguntar "por quê" naquele período típico disso, os pais podam
ela, dando verdades, imagens... O pensamento, o erotismo, são corrompidos pela
criação familiar, pela religião, pela ciência, etc... Temos que procurar ir além
disso.
Somos seres adaptáveis,
e justamente por essa condição, podemos exercitar a empatia, procurar ver
através das lentes do outro, não apenas do seu ponto de vista. A razão está
para transpormos essas sensações construindo um raciocínio em cima de nossas
ações ligadas ao ambiente. Quanto mais a cultura se distancia do meio natural,
nós modificamos o ambiente, daí cidades crescem na vertical. Nem mesmo a lógica
da espiritualidade (de qualquer religião), nem mesmo a materialista (marxista)
poderá traduzir toda a “verdade”.
Exemplo: Para um
motorista que passa o dia inteiro conduzindo um veículo qualquer, chega uma
hora que aquela maquina se torna uma extensão dele, ele confunde sua
personalidade com a máquina e acaba reproduzindo o mesmo ritmo biologicamente,
uma reação automática, bem como o homem que vive na natureza, assim faz, com a
fauna e a flora, reproduzindo os mesmos sons, maneira de enxergar as coisas e
se perdendo na complexidade de vida existente ali.
O
mundo precisa ser reinventado, e isso começa por cada um que consiga fazer esse
julgamento.
Rousseau
continua vivo, temos um contrato social, não dá pra fugir muito disso, mas não
podemos nos perder por completo nelas também. Nenhum dos extremos é bom, saltar
entre as duas e mais, é o negócio.
A cultura
folk é de grande densidade anímica, de espírito. Tem-se que unir a eleita com a
popular, mas jamais radicalizar pela plenitude de apenas um extremo.
Deixo
aqui, um último parágrafo para ilustrar essa construção entre “modernização
civilizatória” e “tradição agrária”:
Na modernização do Japão, quando os samurais já não tinham mais função
na sociedade, como mostram no filme hollywoodiano “O Último Samurai”, o capitão
americano interpretado pelo Tom Cruise, chega com a espada do samurai Musashi que
por muitos anos serviu o imperador, e naqueles tempos fora impedido de entrar
no palácio trajando roupas típicas, os demais japoneses de terno, monóculos,
charutos, ocidentalizados, riam dele vestido de samurai. Tocado com a atitude
do capitão americano, o imperador diz:
- Meus antepassados têm governado o Japão por 2.000 anos, durante
todo esse tempo estávamos dormindo. Durante o sono sonhei. Sonhei
com um Japão unificado, com um país forte, independente e moderno... E agora
estamos acordados. Nós temos ferrovias e canhões, roupas ocidentais.
Mas não podemos esquecer quem somos, ou de onde viemos.


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