terça-feira, 23 de abril de 2013

O embate entre a Civis e a Barbárie - Sua projeção na disputa abstrata

por David Vega.



Uma vez vi na National Geographic um documentário sobre uma população de chipanzés em algum lugar da África equatorial. A voz do narrador descrevia uma situação de migração entre um grupo pequeno de chimpanzés que havia emigrado para novas terras, no caso, as extensões territoriais dessa população.
O que mais me chocou foi o rito de passagem para serem aceitos nessa nova sociedade, deveriam se submeter às ordens (vamos dizer assim) daqueles que ali estavam a mais tempo, até mesmo serem agredidos sem poder revidar. Os machos guerreiros que não se submetiam começavam a dar risada (atitude de guerra, enfrentamento e rejeição à submissão), mas claro, como óbvio, estavam em menor número e foram pisoteados, expulsos e alguns até padeceram em combate. Mas o pior, é que as suas fêmeas e os filhotes (muitas companheiras de antes, que emigraram junto com seus machos representantes) preferiram dar as costas aos antigos machos e se anexarem ao novo grupo. Claro, a punição maior era com os machos antigos, não havia problema a integração de fêmeas e filhotes, futuras reprodutoras e “novos” integrantes baixo às novas regras de sociedade, pois seria mais fácil moldá-los para a nova concepção dominante daquele grupo.
Bem, esse documentário antigo nunca me saiu da cabeça, em parte, todos aqueles que procuram questionar ou ir de contra o convencional vivem algo semelhante, quando um jovem do campo se muda para a cidade, onde a razão é mais elevada do que “nossa condição animal” (que no fim dá no mesmo, apenas são racionalizados os instintos depois de vivenciados no caso do campo, no urbano, tinham o conceito na ponta da língua, mas muitos não haviam visualizado na prática). Esse choque cultural provoca em muitos dos casos a mesma expressão sombria nos olhares que fitavam “o diferente”, daqueles erguidos à base de uma razão nos moldes sofistas apenas, aquele ar frio, é como execrar um “inseto daninho” (como eram chamados os “indesejáveis” durante a ditadura Stalinista), não muito diferente da relação entre macacos estabelecidos e “outsiders” do documentário.
Tanto macacos quanto homens, não suportam quando veem integrantes fugindo à norma. Mesmo inconscientemente, se não cabemos naquela imagem cultuada cobrada ou padrões de conduta, mas o pior, é ver integrantes que nitidamente também não se adéquam, mas que através do discurso e posição social conseguem mascarar, daí podemos traçar uma distinção entre o discurso e a essência. A sociedade cobra uma coerência entre esses dois, mas conseguimos identificar facilmente quando há essa discrepância. Por que então, aqueles que optam por realmente não ter essa diferença, quando escolhem ser quem são, devem ser pisoteados? Não é muito mais honesto se apresentarem tanto no discurso quanto na essência da mesma forma? Ou terem múltiplos discursos? Não há como ser uma coisa única sempre, temos múltiplos “eus” que compõem no conjunto nossa essência.
 Pode-se dizer que é uma falsa solidariedade, nos moldes assistencialistas, as comunidades milenares que fogem às leis do Estado, quando não são compostas de estruturas lineares baseadas no terror como instrumento de controle, funcionam muito bem, não há essa moralidade em excesso quanto às aparências, uma espécie de cooperativismo entre as famílias, que se dá além das meras questões trabalhistas ou de classes.
“A Ditadura da razão”, foi minha obsessão, e continua sendo, cada vez mais a sociedade se radicaliza no iluminismo. Há aqueles muito imersos na razão, dizendo com temor que quem “não racionaliza” é perigoso. Jamais deveríamos temer outro homem, este se apresentando sob a máscara que for, ele é tão homem quanto nós, tem suas fraquezas, seus surtos, medos e vontades, apenas se troca os elementos, mas a essência é igual. Pois bem, não podemos desprezar o conhecimento que sentimos, as ideias não necessariamente são para serem reproduzidas em discursos carregados de termos e citações, sem produzir nenhuma sensação interna. Se continuarmos assim, o mundo irá se tornar aquele do 1984, do Orwell, onde era proibido ter sentimentos. Uma grande massa de alienados que só executam sem pensar. Falar ou escrever em retórica, por mais que muitos radicais digam “é a linguagem da burguesia, não é para a compreensão geral”, considero que os papeis se inverteram, a linguagem eleita de hoje é aquela que contrapõe a metáfora, tudo tem que ser minimamente descrito, podando então qualquer liberdade de interpretação. Por que é considerado sábio o acadêmico formado e o graduado na vivência não? Não nos deparamos com sábios nos bancos da praça, no transporte púbico, muitos, que repassam o conhecimento via oral, e nem saber escrever sabem. Essa linguagem tem serventia sim, pois induz a pessoa a pensar, não entrega o peixe de mãos dadas, já impondo “o que é aquilo”, as pessoas então pensam por elas mesmas. Tem espertalhões que se utilizam dessa técnica na política, ou em outros segmentos para benefícios exclusivamente individualistas, mas por isso então vamos todos erradicar qualquer significado e viver feitos vegetais?
Enxergar a cultura através da natureza é um dos exercícios mais prazerosos e obscuros que um indivíduo pode ter, temos que unir sim com a razão e é através dela que surge a virtude (e lembremos, ser virtuoso não é o mesmo que ser “honesto”, este último está mais ligado ao cumprimento da moral, e o primeiro vai de contra a ética se necessário, muitas vezes), mas jamais desprezar por completo nossa outra condição, não somos seres artificiais. Podemos controlar os impulsos corporais, não é interessante perder a todos, e particularmente, procuro evitar sua total exclusão, mas a gente pode apertar e afrouxar o nó quanto a isso, racionalizar a partir das sensações, após vividas ou observadas no meio natural, ajuda muito no desenvolvimento da arte, aliás, a arte é o que alimenta o pensar e a criatividade para se construir um raciocínio acadêmico, a natureza é arte, o Xamã produz ciência através de elementos artísticos, a religião, a institucionalização da moral, a hierarquização da razão, apenas recriações.
A razão sempre esteve por detrás dos impérios. As linhas sofistas do pensamento, de onde vem a ideologia, fizeram emergir nações expansionistas, sejam os impérios da classe dominante ou do proletariado.
O antropólogo Lewis Morgan traçou uma progressão lógica evolutiva sobre os estágios do homem. Quanta presunção! Categorizou e separou essa linha em selvageria, bárbarie e civilização. E ainda fica no ar esse pensamento, nas entrelinhas, o homem da civis vê o homem do campo ainda como mais atrasado.
Mas aqui gostaria de fazer um elo entre estes dois, com base em exemplos históricos: Os celtas, iberos, gauleses e etc, sempre foram povos místicos e guerreiros ao mesmo tempo, não é a toa que os romanos (da civis) com todo aquele pensamento fundamentado na razão civilizatória, pegavam tutores celtas, druidas, para a educação de seus filhos. Pois tinham um conhecimento que ia além dos fundamentalismos romanos. A combinação da civis com essas sociedades agrárias, produziu indivíduos capazes de saltar entre as duas correntes de pensamento. Bem como no nosso Brasil, a mesma relação, Civis e Campo (sobretudo nas regiões de matas), onde o contato com a flora por parte dos “civilizados” era mais intenso.
Os bárbaros vieram depois, na decadência de Roma, deles vem as monarquias da Idade Média. Os romanos tinham a visão da cosmópolis grega, eram aqueles espartanos e gregos da Magna Grécia (Nápoles) mesclados com os sabinos, mas permaneceu o pensamento civilizatório grego, o mesmo fundamentalismo que os EUA edificaram sua nação, com base na expansão e um tom prepotente de serem "superiores" pois estariam do lado da "razão civilizatória". O mesmo fundamentalismo da Igreja Cristã, da própria URSS, Alemanha Nazista, o getulismo centralizando todo o poder dando origem ao nosso "federalismo" e tantas outras quando passam a anexar terras com essa justificativa. É importante essa linha ocidental, mas não podemos desprezar por completo as correntes de pensamento orientais. A civis já impõe "verdades", o xamanismo não. O mais legal é confundir, e não esclarecer. A linha naturalista mesclada com conceitos libertários, o dadaísmo, o niilismo (não individualista) e a cosmovisão talvez seja aquela mais ampla para se fazer um estudo qualquer, sobre qual tema for, procurar analisar desprezando seus conceitos pré determinados.

Creio que deveríamos tentar unir essas duas grandes correntes. Quando uma criança começa a perguntar "por quê" naquele período típico disso, os pais podam ela, dando verdades, imagens... O pensamento, o erotismo, são corrompidos pela criação familiar, pela religião, pela ciência, etc... Temos que procurar ir além disso.

Somos seres adaptáveis, e justamente por essa condição, podemos exercitar a empatia, procurar ver através das lentes do outro, não apenas do seu ponto de vista. A razão está para transpormos essas sensações construindo um raciocínio em cima de nossas ações ligadas ao ambiente. Quanto mais a cultura se distancia do meio natural, nós modificamos o ambiente, daí cidades crescem na vertical. Nem mesmo a lógica da espiritualidade (de qualquer religião), nem mesmo a materialista (marxista) poderá traduzir toda a “verdade”.
Exemplo: Para um motorista que passa o dia inteiro conduzindo um veículo qualquer, chega uma hora que aquela maquina se torna uma extensão dele, ele confunde sua personalidade com a máquina e acaba reproduzindo o mesmo ritmo biologicamente, uma reação automática, bem como o homem que vive na natureza, assim faz, com a fauna e a flora, reproduzindo os mesmos sons, maneira de enxergar as coisas e se perdendo na complexidade de vida existente ali.
O mundo precisa ser reinventado, e isso começa por cada um que consiga fazer esse julgamento.
Rousseau continua vivo, temos um contrato social, não dá pra fugir muito disso, mas não podemos nos perder por completo nelas também. Nenhum dos extremos é bom, saltar entre as duas e mais, é o negócio.

A cultura folk é de grande densidade anímica, de espírito. Tem-se que unir a eleita com a popular, mas jamais radicalizar pela plenitude de apenas um extremo.

Deixo aqui, um último parágrafo para ilustrar essa construção entre “modernização civilizatória” e “tradição agrária”:

Na modernização do Japão, quando os samurais já não tinham mais função na sociedade, como mostram no filme hollywoodiano “O Último Samurai”, o capitão americano interpretado pelo Tom Cruise, chega com a espada do samurai Musashi que por muitos anos serviu o imperador, e naqueles tempos fora impedido de entrar no palácio trajando roupas típicas, os demais japoneses de terno, monóculos, charutos, ocidentalizados, riam dele vestido de samurai. Tocado com a atitude do capitão americano, o imperador diz:

- Meus antepassados têm governado o Japão por 2.000 anos, durante todo esse tempo estávamos dormindo.  Durante o sono sonhei.  Sonhei com um Japão unificado, com um país forte, independente e moderno... E agora estamos acordados.  Nós temos ferrovias e canhões, roupas ocidentais.  Mas não podemos esquecer quem somos, ou de onde viemos.

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