quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Estado Laico e Fundamentalismo

Por: David Vega

 

    No princípio, durante a investigação humana, a religião explicava os fenômenos. Limitada ou não, foi assim por centenas de anos, vale lembrar que o cristianismo, predominantemente no ocidente, é a resultante do paganismo romano mesclado com o celtismo, um sincretismo que trouxe a nova religião hebraica, após a morte de Cristo, com elementos revisados da Torá e semideuses que compunham as religiões pagãs, convertidos em santos. Há então uma hierarquia que não havia no panteísmo antigo, ou no animismo das sociedades primitivas, mesmo o politeísmo greco-romano foi sobreposto após a decisão do imperador Constantino, por um Deus que não é imanente ao universo, estaria fora dele, sendo este sua criação. Este pensamento ordenou toda a Idade Média, influenciado pelo platonismo, e diversos conceitos, como “A Cidade de Deus” de Santo Agostinho, tem um “quê” da separação do mundo das formas e das ideias de Platão, nós viveríamos em um mundo físico que imitava a perfeição do mundo das ideias, sem jamais alcança-las, talvez isso culminou na ideia de que o homem foi feito à imagem e semelhança de Deus. Muitas religiões pré-cristãs tinham de certa forma deuses com histórias semelhantes dos cristãos, ora, o próprio Moisés é só um “Frankenstein” onde escritores bíblicos como o Rei Josias, Esdras; Neemias, e os escribas da tribo de Levi; pegaram a vida de indivíduos importantes como Sargão de Akkad e SINUHÉ “O Egípcio” (que foram colocados numa cesta de vime, e deixados no Rio pela mãe)… Misturou com a Expulsão dos Hicsos; com a erupção do vulcão Santorini; com os Mandamentos existentes no Livro dos Mortos, com a vida de Zorobabel; e dessa mistura de fatos com mitologias se fabricou o Arquétipo religioso denominado Moisés. Sendo que o eficiente lobby exercido pela poderosa indústria que controla o setor bíblico transformou a Expulsão dos Hicsos (realizada pelo Faraó Ahmose), na mitológica “Fuga do Egito” comandada por Moisés; na época do Faraó Ramsés II; e quando a Era Astrológica do Touro passou para a Era do Carneiro, o nome do antigo Deus “EL” mudou para o atual Deus Javé, além de ter uma lenda de um deus sumério que também teria atravessado o Mar Vermelho, e na epopeia de Gilgamesh também teria havido um dilúvio, igual ao Gênese, isso se repete em muitas culturas. Jesus também teria uma explicação pelos astros, de acordo com o solstício, as três Marias ficam mais próximas do sol ao centro, sendo então Jesus o “sol” e os três reis magos as três estrelas, tudo então é uma metáfora que os antigos encontraram para explicar fenômenos físicos, uma vez que a mente criativa do homem encontrava os elementos que eles tinham. O Deus sol é adorado em muitas culturas, do Egito à América Pré-Colombiana, e o filho do “sol” não é tão distinto do enviado à Terra por Jeová. A era de Peixes tem a ver também, pela astrologia, embora em eu não acredite, faz sentido com a lenda da multiplicação dos peixes por Jesus, dizem que a era de aquários será uma posição mais elevada do homem, em que tudo o que acreditamos talvez seja extinto, seríamos mais evoluídos, dando origem a crenças em coisas que nem imaginamos ainda.

 A igreja católica proibiu os semideuses, porém Jesus não seria um deles? É como Hércules, filho de uma mortal com Zeus, uma vez que Maria era virgem. Esse sincretismo continuou existindo, às vezes intencional como método de dominação, igual quando convenceram os germânicos de que Odin, então seu deus, era o mesmo cristão, pois ele teria se pendurado em uma árvore para aprender a sabedoria divina das runas, o que lembrava Cristo crucificado, assemelhando histórias assim, converteram e impuseram sua crença, mas modificaram também a própria religião que defendiam. No Brasil isso ocorreu também, na religião Umbanda, Ogum, o deus guerreiro, é São Jorge, também a associação à sereia Iemanjá é evidentemente com o lado maternal dela na concepção africana, e em especial com a Virgem Maria, então os mitos iorubas encontram respaldo nos cristãos, pode ser de forma “pensada”, mas é verdade que esse sincretismo também ocorreu de uma assimilação pelo convívio das culturas. Esse modo de “justificar” os astros com mitos que se tornam deuses, é o primórdio da ciência. No início ciência e religião andavam juntas, veja as primeiras universidades do mundo, a de Bagdá pelos muçulmanos, as da Itália pelo concílio papal, a de Salamanca e Santiago na Espanha, que eram de frades, e a de Coimbra em Portugal. A separação de ambas foi ocorrer com o iluminismo, movimento esse que teve sua gênese no protestantismo, é verdade, graças ao questionamento do catolicismo é que o secularismo aconteceu, e com o antropocentrismo, o homem passou a ser o centro do universo. A metafísica, lançada por Aristóteles, foi separada da empiria, da investigação experimental. O materialismo, que existia desde Demócrito na antiguidade, passou a ocupar as instituições da ciência, que ganharam as constituições laicas após a Revolução Francesa e o século XIX inteiro, fazendo inclusive Nietzsche afirmar que “Deus está morto”. Independente de fazer algum juízo de valor, eu reconheço a importância da religião para a tradição das culturas, afinal, somos governados pela democracia dos mortos, a influência que ela tem no nosso código moral, que vem dos 10 mandamentos querendo ou não, e que influenciou nosso Direito, nossas leis que permitem uma vivência em sociedade e um controle do nosso lado animal predatório. Porém eu creio que Estado e religião devem ser separados, do contrário teríamos uma Sharia como nos países islâmicos, e o Brasil de hoje corre um risco tremendo. Sou democrático, creio que deve-se permitir a crença tanto no evolucionismo quanto no criacionismo, porém ao impor “verdades” nas escolas desde o ensino de base, a gente permite a formação de indivíduos que vão negligenciar a Ciência, tão necessária para a resolução de muitos problemas pragmáticos. Deixa a religião e a filosofia curar a alma, mas não atrapalhemos a Ciência na sua ação sobre nossos corpos!

 Eu comecei o texto falando de como os mitos religiosos do ocidente possivelmente foram criados, com base em investigações de historiadores e antropólogos que viveram na Eurásia e ali encontraram conexão em muitos dos mitos, além dos fenômenos astronômicos que coincidem com muitas figuras e lendas da religião, que tem uma representatividade. Estamos todos interligados (afinal Jung já dizia isso, pelo inconsciente coletivo). Os adventistas dizem que a terra tem 6 mil anos. Não podemos levar isso a sério! Os fósseis encontrados desde a Lucy nos anos 1970, uma Australopithecus, e sua trajetória, passando pelo Homo Erectus, Habilis, até o Sapiens Sapiens, este último, tem 300 mil anos. Ou seja, só o ser humano já é muito mais velho que meros “seis mil anos”. Foi no período cambriano que deixamos os mares e evoluímos para as espécies que temos hoje, evolução é “descendência com alteração”, se prendermos um casal em uma ilha, em um milhão de anos seus descendentes serão totalmente diferentes dos originais, veja os sinais em nossos corpos, o apêndice que não tem mais função (provavelmente desaparecerá), há crianças que nascem sem o dente do siso hoje, pois não mastigamos mais carne crua. A diferença da ciência é que ela pode ser refutada, com base em evidências. Vivemos com outras categorias de Homos, o Neandethal e o Cro-Magnon, que desapareceram por não ter um córtex cerebral tão complexo, não terem a fala, embora tivessem uma organização, ficamos com suas terras férteis e varremos eles do mapa, mas temos em nosso DNA registros deles, o que indica que nos misturamos. A nossa “Eva” é a mitocondrial, e temos uma origem comum, no sudoeste africano, que deu origem a uma diáspora incrível, fazendo-nos habitar todos os cantos do globo, adaptando-nos às aos mais variados climas e mudando nosso fenótipo em cada lugar, embora ainda somos uma única espécie. Minha avó espanhola era católica ferrenha, se vestiu de preto depois da morte de meu abuelo até o último dia de sua vida e andava com o terço na mão, minha avó brasileira era presbiteriana, minha mãe cresceu no interior frequentando a igreja dos americanos, hoje minha mãe gosta do espiritismo kardecista, já meu pai tem muito do agnosticismo ibérico, lembrando o ceticismo dos anarquistas espanhóis. Sou uma resultante de tudo isso, mas hoje acredito na Ciência e gosto de estudar as religiões como algo cultural e antropológico, mas não deixo de me preocupar com o fanatismo atual, principalmente quando se atribui a um “salvador” e “messias” como fazem em relação ao presidente hoje. O Fernando Henrique Cardoso, que todos sabemos que é ateu, disse uma vez que não acreditava em Deus e isso quase comprometeu a sua eleição. Vivemos em um país demasiadamente religioso, e veja, os países mais ateus são os da Escandinávia, e nem por isso quer dizer que são ruins, possuem os melhores IDHs, Estados de bem estar social que dão atendimento à população, muito melhores que os nossos. Religião não está ligada ao caráter, existem torturadores com a palavra bíblica na ponta da língua, enquanto muitos ateus estão por aí desenvolvendo remédios que salvam vidas. Você pode ter fé, mas não negligencie a sua inteligência. Que muitos de nós usemos o melhor das religiões e ciências para um mundo melhor!

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