Por: David Vega
Marshall
McLuhan, ainda nos anos 1960, lançou o conceito de “aldeia global”, prevendo
que a revolução nas mídias de comunicação (a internet nem era popular na época)
transformaria o mundo inteiro, tornando-o mais integrado e como uma aldeia,
onde o sujeito nos EUA não seria tão diferente ao do Japão, e este repleto de
estilos mais em comum com um indiano, francês ou um brasileiro. A partir de
então, principalmente depois dos anos 2000, com o início da internet acessível
ao cidadão convencional, e eu me lembro disso, pois já tinha uma idade que me
permitia fazer leituras de mundo, mesmo que modestas na época, se falava o
tempo todo que iriam abolir fronteiras, que talvez o inglês seria um dia a
primeira língua de todos os países, que o mundo teria um Estado único, ou
então, não existiriam mais Estados, que o conceito de soberania seria
ultrapassado etc. Tinha-se a ideia de que quando as redes de conexão mundiais
operassem igual os cérebros de cada cidadão, todos conectados, feito as veias
de um corpo humano ou as raízes de plantas que se entrelaçam em uma floresta,
nós operaríamos pela ótica universalista, em um mundo de cooperação e mesmo com
o discurso de diversidade, atingiríamos um estágio em que as diferenças não
existiriam mais e todo o planeta seria homogêneo, se aproximando do que o Hegel
chegou a defender, idealisticamente, ou até quem sabe o que Marx pensou,
invertendo a lógica hegeliana de uma humanidade cujos particularismos seriam
sobrepujados por uma uniformidade que traria se não plena, uma igualdade muito
maior.
Pois
bem, é a mesma ingenuidade de quando a máquina a vapor reduziu as distâncias no
século XIX, ou as viagens de navio encurtaram para semanas o que antes se fazia
em meses para se cruzar o Atlântico. A fé depositada na tecnologia que
supostamente serviria para anular questões humanas que muitos não querem
reconhecer que ainda carregamos desde a pré-História, de que ainda temos muito
mais do hominídeo do paleolítico do que do cidadão racional pós iluminismo.
A
revolução da internet fez ascender nossos mais íntimos sentimentos tribais,
voltamos às guildas, aos grupos que se antes eram compostos por laços
sanguíneos, hoje se isolam por compactuarem com as mesmas crenças e afinidades.
São as “bolhas”, a descentralização da informação fez-se surgir diversas “ilhas”
onde todos que elas habitam falam apenas para os seus iguais, também insulados
e voltados para dentro de si mesmos. No mundo do tribalismo global, não existe
mais o consenso, não existe mais uma “versão oficial” dos fatos, a democracia
representativa não consegue uma maioria para se aprovar alguma medida, pois
quase todos sempre estão no ataque; a dúvida, que é o início de uma vida de
questionamentos, simbolizando o início da inquietude intelectual, tornou-se o
exercício de “rejeitar” tudo, é na prática o “Me ne frego” (pouco me importa),
o estilo de vida da negação, a pós verdade não se preocupa com o fato provado
empiricamente, pois tudo dá margem a diferentes interpretações, e as múltiplas
óticas sobre um assunto, cria justamente essas ínsulas onde o sujeito fala
apenas para seus iguais. É o triunfo do privatismo sobre o coletivo, pois
Estado algum pode acompanhar a velocidade da informação ou polícia alguma
conseguirá ser “onisciente” a tudo o que uma população subordinada faz, é o
futuro anárquico, descentralizado e cada vez mais dinâmico. Outro dia eu li que
a cada minuto, cerca de 500 mil vídeos são subidos no YouTube, como alguém
poderá assistir ou acompanhar a tudo o que é lançado no mundo? No mercado
editorial antigamente era lançado meia dúzia de títulos, se o sujeito realmente
tivesse um diferencial na sua obra, se destacava. Hoje, qualquer um pode
publicar um pensamento instantâneo (como estou fazendo agora nessa rede social)
e a mensagem ser lida por milhares ou milhões, ou por ninguém também, dado o
volume astronômico de publicações, você pode ficar relegado aos becos
periféricos da internet. Porém, depois de morto, daqui uns cem anos alguém pode
achar seu texto e replicá-lo, tornando-o conhecido. Ora, antes acontecia isso
com autores e pintores, quem dirá que não poderia ocorrer com o blog ou o canal
do YouTube de alguém daqui décadas?
Enfim,
hoje caiu por terra essa ideia de “uma só humanidade”, volta-se os
particularismos, o mundo multipolar, a internacional dos nacionalismos. Não
apenas entre os Estados, mas entre as pessoas, cada vez mais as características
individuais e particulares se sobrepõem minando a ideia de padronização (embora
a cultura eleita queira empurrar o padrão pela mídia convencional, cada vez
mais falida), mostrando que ainda temos muito mais dos caçadores coletores do
paleolítico do que do homem moderno. Hoje isso se materializa no mundo virtual,
acabando cada vez mais com a ideia de equidistância, pois se na natureza as
plantas são desiguais e competem, nossos impulsos não só no mundo do mercado de
trabalho reproduzem tal característica, mas na realidade desigual do virtual,
onde (por enquanto) existe gosto para tudo e espaço e voz para qualquer grupo
(até de criminosos), provando que aquele mundo que se pensou unido, defendido
pelos idealistas dos anos 1960, cada vez mais mostra-se utópico dado algo que
jamais foi alterado e poderá ser alterado desde que surgimos enquanto espécie:
a natureza humana!
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